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IBDFAM e Defensoria Pública-Geral da União unem esforços pela regulamentação do registro civil de crianças geradas por inseminação caseira
Entidades discutem soluções para superar barreiras legais e promover a segurança jurídica no reconhecimento da parentalidade
O Instituto Brasilieiro de Direito de Família – IBDFAM, representado pela vice-presidente, a jurista Maria Berenice Dias, participou de uma reunião a convite da Defensoria Pública-Geral da União, gabinete da Defensoria Nacional de Direitos Humanos – DNDH, na última segunda-feira (25), para tratar da garantia de registro civil para crianças geradas por inseminação caseira.
No encontro, conduzido pela Defensora Nacional de Direitos Humanos Carolina Soares Castelliano Lucena de Castro, as entidades concordaram em unir esforços para garantir e facilitar o registro de crianças geradas por inseminação caseira ou autoinseminação na seara extrajudicial.
Durante a conversa, Maria Berenice Dias mencionou que as decisões judiciais sobre o tema são incertas. Para ela, regulamentar a prática no âmbito extrajudicial poderia trazer maior segurança jurídica para as partes envolvidas.
Obstáculos
No Brasil, a reprodução assistida segue critérios definidos pelo Conselho Federal de Medicina – CFM, que regulamenta procedimentos como inseminação artificial e fertilização in vitro. Para o registro de criança gerada por reprodução assistida, o órgão exige a apresentação de declaração do diretor técnico da clínica para atestar que o procedimento ocorreu sob supervisão médica e seguindo normas éticas.
Esse documento, reforçado pelo Provimento 149/2023, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, é tido como fundamental para assegurar a validade jurídica do vínculo parental.
A documentação se torna um obstáculo significativo para famílias que recorrem à inseminação caseira, como muitos casais LGBTQIAPN+ e de baixa renda. Sem esse documento, essas famílias enfrentam dificuldades para obter o reconhecimento legal da parentalidade. Carolina Soares classificou essa exigência como elitista.
“A norma, no final das contas, é bastante elitista, se a gente pensar no acesso econômico às clínicas de fertilização. Estamos falando de uma elite que tem a possibilidade de pagar por esse tratamento. Essa questão econômica é fundamental para entender as desigualdades no acesso à reprodução assistida”, afirma a Defensora Nacional de Direitos Humanos.
Carolina Soares Castelliano Lucena de Castro durante reunião com o IBDFAM. (Imagem por IBDFAM)
Entidades irão apresentar novo requerimento ao CNJ
Em julho passado, o IBDFAM apresentou ao CNJ um Pedido de Providências pela revogação do artigo 17, II, do Provimento 63/2017. O Instituto argumentou que a exigência fere princípios como a dignidade humana e o melhor interesse da criança, pois limita o reconhecimento de diferentes estruturas familiares, contrariando a interpretação atual do Supremo Tribunal Federal – STF sobre o reconhecimento de casais homoafetivos. No entanto, o pedido foi julgado improcedente.
Agora, o IBDFAM e a DNDH irão apresentar novo Pedido de Providências sobre o Provimento 149/2023 ao CNJ diante da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que reconheceu a presunção de maternidade da mãe não biológica em caso de inseminação caseira realizada no contexto da união estável homoafetiva.
“O objetivo consolidado é buscar separar a relação conjugal e parental. Exigências como essas só corrompem o exercício de atos da cidadania, ceifando o mínimo existencial para essas crianças que ficam sem garantia do registro por longa data, afrontando a isonomia constitucional, livre planejamento familiar e a não intervenção estatal na esfera privada da família”, explica Ronner Soares Botelho, assessor jurídico do IBDFAM.
“Da forma que está sendo praticado, de recusa registral, estamos ressuscitando invisibilidades perversas, como aconteceu por 60 anos, com os filhos ‘ilegítimos’, que por terem sido gerados em uma relação extraconjugal, não podiam ser registrados. A realidade contemporânea exige uma leitura humanista de verdadeira contemplação ao exercício da cidadania pelo registro civil dessas crianças geradas pela ‘autoinseminação’”, ele acrescenta.
Maria Berenice Dias durante reunião on-line com a Defensoria Pública-Geral da União. (Imagem por IBDFAM)
Presunção da maternidade
No processo que chegou ao STJ, o IBDFAM atuou como amicus curiae e, representado por Maria Berenice Dias, manifestou-se no julgamento. “A possibilidade de registro, independentemente de qualquer formalidade, está sendo admitida pela Justiça, quando a pretensão já formulada junto ao CNJ visa garantir que o registro possa ser feito diretamente no Cartório de Registro Civil, sem a exigência do documento firmado pela clínica de reprodução”, afirmou.
A jurista pontuou que a exigência documental não pode ser levada ao Judiciário sempre que uma criança gerada por inseminação caseira nascer. De acordo com ela, a exigência de documentação leva a situações como a que chegou ao STJ, e que poderiam ter sido resolvidas de forma extrajudicial.
“Precisamos propor uma explicação que salvaguarde, nos casos de inseminação caseira, a responsabilidade do oficial de registro civil em averiguar se a concepção da criança foi, de fato, fruto de um planejamento. Essa função investigativa já foi delegada ao extrajudicial em casos de socioafetividade, e, portanto, é necessário que se faça o mesmo no contexto da inseminação caseira", argumenta Maria Berenice Dias.
Leia mais: STJ: mães poderão registrar filha gerada por inseminação caseira após dois anos; IBDFAM atuou como amicus curiae
Por Guilherme Gomes
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